quarta-feira, 7 de setembro de 2011

stuck in a mirror...


"desembarcaram-me com a mesma prontidão com que me abandonaram na confusão deste cemitério.
estremece o ar, os astros e o receio de quem parte sem dizer adeus.
quem chegará depois de ti?
quem nunca esteve aqui? - no resplendor do plâncton, por debaixo da pele...
quem regressou? - nesta imagem que aprisionou o firmamento do teu rosto, e com o tempo se desfaz...
e o orvalho pousa no teu ombro, onde bebo a escuridão do dia.
- sei que um dia virás da poeira fosforosa do tempo sem lugar.
sei que a parte de mim que esquece estilhaça dentro da que jamais te esquecer.
estiveste num lugar do fundo de mim. lugar escuro,
sem ar - onde se pode abandonar a alma e deixar o corpo secar. lugar onde já não se consegue nomear o mundo.
mas, a dado momento, encheu-se-te o corpo com a ânsia do regresso, e a alma com a vontade inabalável de substituir o mar pelo teu sorriso. regressaste para te suicidares no meu rosto.
tento proteger-me do que me rodeia. ignoro tudo numa tentativa inútil de recomeçar novamente a viver.
amanhã,ou enquanto dormes - agora mesmo -, vou pensar em ti. intensamente: até que as horas me doam sobre a pele, e o movimento dos dias passe como aves que perdem o sentido do voo - até que tudo o que me rodeia tome a forma do teu corpo.
e em mim circules - quando estendo a mão por dentro da noite e te acordo, no fogo dos meus olhos.
penso no que te vou deixar: nomes de flores e de estrelas para refazeres os jardins e as constelações, e o peso etéreo da minha morte - para continuares a celebrar a vida.
insónia. noite fria, repleta de medos. noite sem fim. nada.
levanto-me e abro a janela. respiro fundo. um fio de sol embate na garrafa abandonada ao lado da cama. ponho os óculos, e o dia
 torna-se nítido, focado, limpo, e cheira a violetas...
às vezes, tenho a impressão de ter perdido a exactidão dos gestos e das palavras.
não me desagrada a ideia de viver num farol abandonado. não me desagrada que a luz se apague. não me desagrada pensar que posso perder a lucidez.
por isso bebo.
beber ajuda a cicatrizar o olhar ferido da noite. isola-nos do mundo, acende-nos os gestos, antes de nos perdermos...
- o meu olhar só é belo porque se deixou aprisionar pelo teu. nesse lugar profundo onde nos cruzamos e o mundo faz sentido. e quando a distância nos separar, apenas uma impressão vaga, uma parte de mim pertencer-te-á.
e dizes: um dia, quando a paixão nos fugir, em que vazio sem imagens tuas poderei descansar?
ninguém sabe se haverá regresso...
depois, no fundo dos teus olhos, vejo-me pela última vez.
envelheço, quando o vento entra no sono e agita o sonho em que te ressuscito.
enquanto durmo, choro. as minhas lágrimas tornaram-se lentíssimas, ao envelhecer.
este tempo que me resta é um tempo sem sentido.
escuto a tua voz no deslizar da areia. adivinho a limpidez dos teus gestos no brilho do céu, e digo baixinho: ó noite de todas as noites, esconde o meu desgosto. apaga a imagem daquela que nunca me" canso "de amar..."
se um dia regressares, a terra estremecerá na memória de tua ausência. e a água formará um vasto oceano no outro lado do teu olhar.
regressarás, talvez, quando o ar se tornar rubro em redor do meu sono - e o lume das horas, a pouco e pouco, saciar a boca que clama pelo teu nome.
encontrar-nos-emos nas imagens deste jardim de afectos e de ódios. porque os jardins são labirínticas arquitecturas mentais, onde podemos resguardar os corpos de qualquer voragem do tempo.
por isso, enquanto não regressas, construo jardins de areia e cinza, jardins de água e fogo, jardins de répteis e de ervas aromáticas, jardins de minerais e de cassiopeias - mas todos abandono à invasão do tempo e da melancolia.
mas se um dia regressares, passeia-te por dentro do meu corpo. descobrirás o segredo deste jardim interior - cuja obscuridade e penumbras guardaram intacto o nocturno coração."


al berto

  



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